Por Jefferson Valentin e Rodrigo Spada
A transmissão intergeracional de patrimônio, do ponto de vista econômico, é uma das manifestações de riqueza mais óbvias a serem escolhidas para a tributação. Um relatório da OCDE de maio de 2021 destaca como argumentos favoráveis a este tipo de tributação o aumento da igualdade de oportunidades, fortalecimento da equidade horizontal e vertical, redução da desigualdade de riqueza, prevenção do aumento da riqueza dinástica, aumento da oferta de trabalho e poupança dos herdeiros, entre outros.
A tributação sobre heranças, no entanto, é refutada pela maioria da população em todo o mundo. Uma sondagem do YouGov (Reino Unido), por exemplo, concluiu que apenas 20% dos britânicos consideram esse um tipo justo de tributação. Considerando os altos limites de isenção no Reino Unido, podemos concluir que o imposto é mal visto até por pessoas que jamais receberiam patrimônio suficiente para qualificá-los como contribuintes. Trata-se de um imposto direto, muito mais visível que um imposto sobre consumo ou IR retido na fonte, por exemplo.
A aversão social a este tipo de tributação impede, ou pelo menos dificulta sobremaneira, que o ITCMD se apresente com um desenho normativo mais socialmente justo ou como uma alternativa à (parte da) tributação sobre o consumo que, por ser essencialmente regressiva, onera mais pesadamente os mais pobres.
A Emenda Constitucional 132 (Reforma Tributária) corrigiu três pontos possibilitando a melhoria do desenho normativo deste imposto:
1 – Estabelecimento de elemento de conexão definidor da titularidade ativa do imposto incidente nas transmissões quando o doador tem domicílio no exterior ou quando o de cujus era residente, possuía bens ou teve o inventário processado no exterior (artigo 16 da ADCT);
2 – Ampliação da imunidade para instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social (inc. VII do § 1° do artigo 155 da CF);
3 – Obrigatoriedade de estabelecimento de progressividade em razão do quinhão, legado ou doação (Inc. VI do § 1° do artigo 155 da CF).
O primeiro ponto é uma questão de justiça fiscal. O texto original da Constituição reclamava uma lei complementar que não veio, mesmo já tendo passado mais de 3 décadas da sua promulgação. O resultado era uma porta aberta para planejamentos tributários para os mais ricos, que podiam se mudar, mesmo temporariamente, para outros países, e fazer doações aos filhos sem pagar o imposto, possibilidade inviável para aqueles com menores patrimônios.
O segundo corrige um erro crasso no desenho normativo ótimo do ITCMD. Se o objetivo do imposto é tributar a transmissão intergeracional de patrimônio e buscar efeitos extrafiscais, principalmente a distribuição de riqueza, não faz sentido tributar as doações a entidades do terceiro setor, que não são, em essência, transmissões intergeracionais, e cujas recebedoras já promovem, intrinsicamente, a distribuição de riqueza, na medida em que prestam serviços relevantes à sociedade, sobretudo à população de baixa renda, atendendo a demandas a que o Estado nem sempre consegue atender.
A tributação desse tipo de transmissão, em verdade, constitui-se um desserviço à sociedade uma vez que desincentiva as doações a estas entidades, dificultando sua subsistência, o que exige, por sua vez, que o Estado seja cada vez maior para resolver problemas que a sociedade civil poderia resolver sozinha por meio de suas organizações.
Os recados que alguns estados passam à sociedade por meio da tributação, inclusive, são contraditórios. O Estado de São Paulo, por exemplo, enquanto tributa as transmissões às entidades do terceiro setor, exceto instituições de educação e de assistência social (imunidade) e entidades cujos objetivos sociais sejam vinculados à promoção dos direitos humanos, da cultura ou à preservação do meio ambiente (isenção) e doações abaixo de 2.500 UFESPs por ano, por outro lado, permite que elas recebam a destinação de parte dos valores do Programa Nota Fiscal Paulista.
Sobre o programa Nota Fiscal Paulista, inclusive, fazemos a crítica de que ele não cobra que seja feita uma prestação de contas pela entidade diretamente ao contribuinte responsável pelo pagamento do imposto constante da Nota Fiscal, tampouco incentiva o contribuinte a participar mais ativamente das entidades como colaborador permanente. Este programa, no entanto, deve ser descontinuado, com o fim do ICMS, já decretado pela EC 132.
O terceiro ponto, em que pese visar o atendimento ao princípio da capacidade contributiva conta com a justa preocupação dos contribuintes, nos Estados onde a progressividade ainda não foi implementada, de que sua implantação venha acompanhada de aumento da carga tributária para alimentar o erário público, sempre faminto.
São Paulo, e alguns outros Estados, precisarão promover a alteração de suas leis e, diante desse cenário, vimos aqui fazer uma proposta: O ITCMD SOCIAL!
Proposta:
Operacionalização:
Exigências e ações complementares:
Além da habitual exigência de manutenção de escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão (artigo 14 do CTN) poderia (a nosso ver, deveria) ser exigido das entidades e do Estado, ações do tipo:
Fonte de custeio:
Administração Tributária e Fiscalização:
A implantação do ITCMD Social, tal como proposto, garantiria a um só tempo:
Jefferson Valentin é Auditor Fiscal da Receita Estadual do Estado de São Paulo, formado em letras e ciências contábeis, MBA em gestão pública e mestrando em economia. Membro da comissão técnica da Febrafite, coautor dos livros “Manual do ITCMD” e “Uma lei complementar para o ITCMD” e autor do livro “Holding, estudo sobre a evasão fiscal do ITCMD no planejamento sucessório”.
Rodrigo Spada é presidente da Febrafite – Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais. Eleito presidente da Afresp – Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo, triênio 2024/202
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Artigo publicado no site Jota. Leia no link para assinantes: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/itcmd-social-uma-proposta-03012024