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O Estado que querem nos vender

07/10/2025 Compartilhar Twitter

 
A reforma administrativa que tramita em Brasília não é uma simples proposta de modernização. É uma redefinição de projeto de país.Sob o discurso da eficiência e do corte de gastos, o que se esconde é a tentativa de reconfigurar o papel do Estado — retirando-lhe funções sociais, enfraquecendo sua estrutura e transferindo poder e recursos para interesses privados.

O que se anuncia como “gestão moderna” pode, na prática, representar um retrocesso histórico: o desmonte silencioso do serviço público e o enfraquecimento da cidadania.

O servidor como alvo simbólico

A máquina pública é tratada como vilã e o servidor, como culpado por todos os males do Estado. Em nome da “eficiência”, a reforma propõe reduzir vínculos estáveis, flexibilizar carreiras, rever progressões e submeter o funcionalismo a mecanismos de avaliação que podem ser usados como instrumentos de perseguição política.
A estabilidade, apresentada como entrave, é na verdade garantia de legalidade e independência técnica. Sem ela, o servidor deixa de servir ao Estado e passa a servir ao governante da vez. E quando o servidor se cala, o cidadão fica sem voz. Um Estado sem servidores estáveis e valorizados é um Estado vulnerável — terreno fértil para o clientelismo, a corrupção e o desmonte institucional.

O falso discurso da eficiência

A reforma promete “modernizar” o serviço público, mas o que propõe é uma máquina mais barata, mais frágil e mais exposta à influência política.
As palavras de ordem — eficiência, meritocracia, sustentabilidade — escondem um projeto ideológico de Estado mínimo, em que direitos se transformam em produtos e políticas públicas em negócios.
Menos Estado não significa mais eficiência; significa menos proteção e mais desigualdade. É o Estado que fecha escolas, sucateia hospitais, terceiriza a segurança e entrega a arrecadação e a fiscalização a empresas privadas.

O resultado é sempre o mesmo: o lucro privado substitui o interesse público.

 O relator e o DNA da proposta

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), relator do grupo de trabalho, é economista e foi secretário de Fazenda e Planejamento do Rio de Janeiro durante o governo de Eduardo Paes — cargo em que defendeu cortes de pessoal, revisão de benefícios e programas de austeridade fiscal.
É o retrato de uma visão tecnocrática: o Estado como empresa, o cidadão como cliente e o servidor como custo. Essa concepção atravessa toda a proposta atual, apresentada sob o manto da neutralidade técnica, mas impregnada de uma agenda liberal de redução do Estado e ampliação do espaço privado.
No Congresso, Pedro Paulo reforçou esse perfil. Votou a favor da PEC da Blindagem, que reduziu transparência e dificultou a responsabilização de parlamentares — justamente o oposto do que se espera de quem prega “moralização e eficiência”.
Sua coerência é cristalina: sempre do lado da contenção e da blindagem, nunca do fortalecimento do Estado e da transparência pública.

O que está em jogo

A proposta não ameaça apenas servidores — ameaça a própria capacidade do Estado de garantir direitos. Com vínculos precários e carreiras enfraquecidas, o Estado perde memória técnica, continuidade e autonomia. Sem servidores estáveis, as políticas públicas se tornam reféns de interesses de ocasião. E quem perde é o cidadão comum, especialmente os mais pobres, que dependem do Estado para ter acesso à educação, à saúde e à segurança.
A estabilidade, a carreira e o serviço público estruturado não são privilégios: são garantias da democracia. Elas impedem que governos transformem o Estado em instrumento de perseguição ou negócio. Retirá-las é abrir espaço para o arbítrio e o favorecimento — a antítese da eficiência que se proclama.

O mito da técnica neutra

A reforma tenta se apresentar como uma “técnica de gestão”. Mas não existe técnica neutra. Toda proposta carrega escolhas morais e políticas: a quem se quer proteger, a quem se quer servir, a quem se quer subordinar. A que está posta serve ao capital, não à cidadania.
Sob o disfarce de “profissionalização”, ela reduz o Estado a executor de interesses privados e destrói sua capacidade de planejar, fiscalizar e corrigir desigualdades. É a institucionalização do Estado mínimo, aquele que se omite quando o cidadão mais precisa e se agiganta apenas para proteger o mercado.

O Estado que precisamos defender

O Brasil não precisa de um Estado mínimo: precisa de um Estado presente, ético e eficiente, capaz de cumprir o papel que a Constituição lhe deu — garantir direitos e promover justiça social. Isso exige servidores valorizados, com estabilidade, estrutura e condições de trabalho. Exige investimento, transparência e respeito à legalidade — não cortes cegos e narrativas fáceis.
Defender o serviço público é defender o cidadão. Não é uma pauta corporativa: é uma causa republicana. É a luta por um Estado que sirva à sociedade e não se ajoelhe diante do poder econômico.

O cidadão máximo

Em tempos de desinformação e discursos sedutores, é preciso reafirmar o óbvio: sem serviço público, não há Estado; sem Estado, não há cidadania.
O servidor público não é o problema — é a linha de defesa do cidadão contra o abuso e a desigualdade. Desmontar essa estrutura é enfraquecer o país.
Antes de repetir slogans de “eficiência”, é preciso perguntar: eficiência para quem? E lembrar que, enquanto alguns querem vender o Estado, nós queremos defendê-lo — porque o Estado somos todos nós.

 

Fonte: https://ofator.com.br

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