Por Nuno Barroso, Maria Aparecida e Mauro Silva
Em um mundo em que o capital circula livremente, sem passaporte nem fronteiras, não é possível enfrentar os desafios da justiça fiscal de forma isolada. Grandes fortunas movimentam-se em segundos, empresas multinacionais escolhem os países com menor carga tributária, paraísos fiscais multiplicam-se com respaldo jurídico, e a digitalização da economia aprofunda os desequilíbrios entre as nações. Neste cenário, nenhum país, por mais estruturado que seja, conseguirá, sozinho, construir um sistema tributário justo, eficaz e sustentável.
A injustiça fiscal tornou-se um problema global. Por isso, a justiça fiscal deve ser encarada como uma causa global, que exige acção coordenada entre os países, tanto no plano técnico como no plano político. Isso implica articular governos, administrações tributárias, organismos multilaterais, sociedade civil e academia em torno de um novo pacto internacional em matéria fiscal. Um pacto que reconheça que o combate às desigualdades não pode terminar nas fronteiras nacionais.
É este horizonte que mobiliza espaços de articulação técnica como o Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais, que terá lugar entre os dias 16 e 18 de Junho, na Universidade de Coimbra, reunindo auditores fiscais brasileiros, portugueses, espanhóis e representantes de países africanos de língua portuguesa, como Moçambique e Cabo Verde. Porém, mais importante do que os números é o que eles simbolizam: a construção de uma comunidade fiscal de língua portuguesa, comprometida com a cooperação e com a procura de soluções comuns para desafios partilhados.
O tema do encontro — “Um sistema fiscal global e inclusivo, promotor de justiça social e do crescimento económico sustentável” — aponta para a urgência de repensar os fundamentos do modelo actual. O sistema fiscal de um país não deve ser encarado apenas como uma engrenagem técnica de arrecadação. É um dos principais instrumentos de redistribuição de rendimentos, de financiamento das políticas públicas e, por conseguinte, de afirmação da democracia.
A justiça fiscal, neste século XXI, deve afirmar-se como um direito colectivo. E isso implica enfrentar velhos tabus. A tributação das grandes fortunas, a regulação efectiva dos fluxos financeiros internacionais, o combate aos paraísos fiscais e a responsabilização das gigantes digitais já não são bandeiras ideológicas: são exigências práticas para garantir a solvência dos Estados e a coesão das sociedades.
Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer que estas medidas só terão impacto real se forem adoptadas de forma coordenada. Quando um país endurece a cobrança sobre as grandes fortunas, mas o seu vizinho oferece incentivos para que esses capitais se desloquem, perde-se não apenas receita fiscal, mas legitimidade. Quando uma multinacional aufere lucros em dez países e não paga impostos em nenhum, a soberania fiscal fica comprometida. Por isso, o debate técnico precisa de se transformar em decisão política.
Os países lusófonos têm muito a contribuir para este debate. Partilham uma história comum, uma língua comum e, cada vez mais, desafios económicos e sociais semelhantes. Mas também partilham oportunidades: a possibilidade de construir uma voz própria no debate fiscal internacional. Uma voz que defenda a justiça como princípio estruturante da tributação e que reconheça que os sistemas fiscais devem estar ao serviço do desenvolvimento humano.
É precisamente esse espírito de convergência que se espera do encontro que terá lugar em Coimbra. Que contribua para transformar afinidades históricas e culturais em cooperação técnica e articulação política. Que a língua portuguesa possa também ser instrumento de construção de uma agenda fiscal mais justa e global. E que os países que a partilham avancem juntos na tarefa de fazer da fiscalidade uma ferramenta de equidade, sustentabilidade e solidariedade entre os povos.
Maria Aparecida Meloni, vice-presidente FEBRAFITE – Associação Nacional de Fiscais de Tributos Estaduais (Brasil)
Nuno Barroso, Presidente da APIT – Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira (Portugal)
Mauro Silva, Presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil.
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Artigo originalmente publicado no jornal Vida Económica. Clique aqui para acessar!