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Reforma tributária e o novo sistema de créditos na tributação do consumo

18/05/2024 Compartilhar Twitter

Por Alan Martins e Rodrigo Spada

 

Imagine uma torneira com um pequeno vazamento, quase imperceptível. A água pinga lentamente, mas com o tempo, esse pequeno desperdício se acumula, gerando um grande prejuízo. Essa é a comparação perfeita para ilustrar o sistema de crédito dos tributos sobre o consumo no Brasil, um problema que a Reforma Tributária busca solucionar.

No sistema atual, adota-se um modelo de crédito físico, em que diversas restrições e vedações impedem o aproveitamento integral dos créditos fiscais pelas empresas, fazendo com que sejam produzidas cifras incalculáveis dos chamados créditos residuais. Esses créditos, próprios de um sistema previsto para ser não-cumulativo, ficam retidos em diferentes etapas da cadeia produtiva, como se estivessem escorrendo pela torneira furada. Esse efeito cascata gera cumulatividade do imposto, incompatível com a própria concepção do sistema.

É um imposto que deveria ser recuperado pelos contribuintes mediante compensação, mas essa compensação não acontece. Com isso, ocorre uma tributação oculta ou disfarçada, como muito bem identificado pelos autores Francisco Javier Sánchez Gallardo, Luciana Moscardi Grillo e Rodrigo Frota da Silveira, em um estudo comparativo entre o ICMS e o IVA europeu, apresentado no “Seminário Reforma Tributária: os caminhos da convergência”.  Nesse seminário, realizado em 15 de março de 2024, pelo Movimento VIVA, uma iniciativa da Associação dos Auditores Fiscais do Estado de São Paulo – AFRESP, os citados autores fizeram o lançamento de uma nota técnica, que será publicada em breve. Nela, também, demonstram que o sistema tributário brasileiro, por essa e por outras razões, é 28 vezes mais cumulativo do que o europeu.

O caso mais patente, talvez, seja o do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), imposto dos Estados e do Distrito Federal repleto de vedações e restrições ao crédito. No ICMS, por exemplo, são vedados os créditos relativos a bens de uso ou consumo do estabelecimento, tais como materiais de escritório ou de limpeza, assim como se obsta o crédito relativo a aquisições de energia elétrica que não seja utilizada no processo industrialização, a exemplo daquela que se consome em áreas administrativas ou comerciais de uma empresa. Além das vedações, também há restrições ao crédito. Uma delas é a exigência de que seja parcelada em 48 vezes a apropriação do crédito relativo ao imposto da aquisição de bens de capital, o que limita o fluxo de recursos para as empresas.

Essas vedações e restrições geram diversos problemas, que são consequências do crédito residual e da tributação oculta que promovem. Como as empresas pagam mais do que deveriam, isso encarece os produtos e serviços, onerando os preços aos consumidores e reduzindo a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.

Nos créditos residuais que se perdem ao longo da cadeia produtiva, é como se a água vazada da torneira nunca mais retornasse ao reservatório. Esse desperdício financeiro afeta diretamente a lucratividade das empresas e impede investimentos em modernização e crescimento.

Para solucionar esse problema, a Reforma Tributária, aprovada com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, propõe a adoção do sistema de crédito financeiro. Nesse modelo, as vedações e restrições são eliminadas, permitindo que as empresas aproveitem integralmente seus créditos fiscais. A única exceção fica por conta de bens e serviços de uso ou consumo pessoal, apenas esses, corretamente, obstados pelo novo sistema.

Além disso, o IBS e a CBS contam com uma base de incidência muito mais ampla do que o ICMS. Esse IVA-dual abrange não somente bens materiais (mercadorias), mas, também, bens imateriais e serviços de qualquer natureza. Com isso, as possibilidades de créditos também se ampliam bastante, ainda mais diante da ausência de vedações e restrições.

É como consertar o vazamento da torneira e garantir que toda a água chegue ao reservatório. Com o novo sistema tributário, a expectativa é de que as empresas possam ter mais recursos para investir em seus negócios, gerar empregos e impulsionar a economia brasileira. Isso, também, pode propiciar preços mais justos e competitivos, não apenas no mercado interno, mas, principalmente, no mercado internacional. Ganham os consumidores e as empresas, ganha o Brasil.

Ademais, com o projeto de regulamentação da Reforma Tributária encaminhada ao Congresso Nacional (PLP nº 68/2024), esse sistema de crédito fica ainda mais fortalecido. A proposta é vincular o crédito ao pagamento dos tributos e propiciar que, no caso de inadimplência do fornecedor, o adquirente possa liquidar o tributo de sua aquisição pelo sistema de split payment e, assim, garantir o seu direito ao crédito. Esse sistema permite um pagamento bifurcado, em que parte do dinheiro vai para os cofres públicos para quitação do imposto, e a outra, descontada a primeira, é destinada ao fornecedor para liquidação da operação.

Confere-se maior segurança jurídica ao sistema, inibindo-se, inclusive, a concorrência desleal por parte de empresas que ganham vantagem competitiva indevida perpetrando fraudes. Um claro exemplo é a chamada “fraude carrossel”, envolvendo esquemas de empresas simuladas, as chamadas “noteiras”, que propiciam créditos em razão de impostos destacados em documentos fiscais, mas que nunca serão recolhidos ou de qualquer outra forma ingressarão nos cofres públicos. Portanto, sob esse aspecto, o “vazamento da torneira” também afeta, imensamente, a arrecadação tributária.

O crédito vinculado ao pagamento e o split payment devem dificultar bastante essas práticas ilícitas desastrosas para a economia, para a livre concorrência e para as finanças públicas. De um lado, poderão impedir que adquirentes de boa-fé continuem tendo custos, com atendimento à fiscalização e litígios, para explicarem que não estão envolvidas nos esquemas de sonegação. De um outro, estancando o vazamento da torneira, a tendência é propiciarem que a água chegue, igualmente, ao reservatório que representa os cofres públicos. Haverá maior arrecadação e menos custos com a litigiosidade, o que também afeta o erário.

Por todo o exposto, com a implementação do sistema de crédito financeiro de IBS e CBS, além do crédito vinculado ao pagamento e do split payment, realmente, a Reforma Tributária tem tudo para representar um passo importante para a construção de um sistema tributário mais justo, eficiente e competitivo. Nesse contexto, a expectativa é que possa beneficiar a arrecadação em prol da sociedade, bem como empresas, consumidores e toda a economia brasileira, que se tornará mais competitiva no mercado internacional.

 

Alan Martins é Auditor Fiscal da Receita Estadual/SP. Diretor de Gestão de Conhecimento da AFRESP e membro da Comissão Técnica da FEBRAFITE

Rodrigo Spada é Auditor Fiscal da Receita Estadual/SP. Presidente da FEBRAFITE (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da AFRESP (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo).

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Artigo originalmente publicado no portal JotaClique aqui para acessar!

 

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